Certamente o que faz a literatura que sobrevive ao autor é o embate direto, apanágio dos médicos à antiga, com as queixas, as dores e a imaginação desse intrincado amálgama de corpo e alma que somos, reelaborado pelo talento de escritor. Aqui o escritor não esconde o médico, não porque só nos conte “causos” de consultório, muito pelo contrário: revela- nos o médico como paciente e compadecido, mas transita por várias sendas da experiência e da linguagem humana, atravessa num átimo a fronteira entre mais cru realismo e o fantástico, engana o leitor fazendo- o crer que lê uma simples crônica antes irrompa sua pura invencionice, passa dos monólogos de vozes alheias para o relato clinicamente preciso, do fluxo de consciência à metaliteratura, à reflexão na e sobre a vida, à ironia e ao humor, com uma invejável habilidade no manejo da nossa bela e maltratada língua, explorando com maestria suas inúmeras possibilidades sintáticas e seu luxuoso vocabulário.